A importância de não desvalorizar um distúrbio alimentar
Eu falo muito sobre a minha antiga relação com a comida e com o meu corpo. Falo sobre todas as dietas que fiz, sobre todas as obsessões com que vivi, sobre o ódio gigantesco que tinha do meu corpo e sobre o medo absurdo que sempre tive de comer versus comer em demasia para compensar a minha frustração. E eu falo disto tão abertamente porque numa primeira instância me ajuda a nunca me esquecer que mal ou bem dei um pontapé a isto tudo e sou efectivamente uma pessoa muito mais feliz e em paz comigo, mas também falo muito de tudo isto porque recebo muitos pedidos de conselhos de mulheres que se querem curar e não sabem como.
Ora às vezes dou por mim a pensar
Que os meus textos à volta da minha relação com a comida e com a minha imagem podem soar um bocado a algo fútil a quem nunca passou por algo do género. E eu entendo a sério, porque assim à primeira vista tudo isto parecem problemas de primeiro mundo, e são na verdade, problemas de um mundo completamente centrado no seu ego, na valorização desmedida da imagem e da constante mensagem de que nunca és suficiente.
E eu sei que pelo mundo fora há tanta mas tanta desigualdade que às vezes sinto-me meio tola ao contar a minha história, a de uma miúda que foi gozada na escola, que passou 8 anos a vomitar e 15 num total a destruir este corpo, mas depois lembro-me que os distúrbios alimentares matam, e não só por dentro, não são só a alma e a essência que morrem, é a vida, é o corpo e percebo que vai sempre continuar a fazer sentido eu trazer um pouco de esperança e alento a quem AINDA não conseguiu aqui chegar, porque sei a importância que a não desvalorização desta doença teve na minha vida.
Porque apesar de tudo, de eu ter muitas vezes desejado morrer, eu tive muita sorte em ter ao meu lado pessoas que nunca acharam que tudo isto era uma tontice de uma miúda adolescente. Tive a sorte de ter ao meu lado pessoas que apesar de ter magoado muito com as constantes escolhas que eu fazia para mutilar a minha alma e continuar a magoar este corpo dieta atrás de dieta nunca deixaram de acreditar que eu era capaz de mandar à merda esta doença. E eu sei que há muita gente que não só não tem este apoio, como tem vergonha de admitir que está doente e de pedir ajuda.
E este é exactamente o outro motivo porque eu continuo e continuarei a escrever sobre toda a minha história
Porque eu não consegui nada disto sozinha, não acordei de manhã a escrever intenções lindas de como a minha vida iria mudar depois daquele dia. Não, eu precisei de ajuda quando sofri de bulimia e precisei de ajuda quando fui parar ao hospital em 2016 e decidi que chegava de viver assim. Sim eu fui uma forte do caraças ao decidir tentar mais uma vez, mas nada deste caminho se fez sem apoio psicológico, nutricional e de aceitação pessoal que nada disto acontece de um dia para o outro.
Porque sim eu hoje considero-me curada, considero que vivo em paz comigo e com a comida, mas também sei que um distúrbio alimentar é algo muito difícil de largar por completo, tal como sei que também eu às vezes olho para mim ao espelho e não me adoro, também eu às vezes dou por mim a pensar que vem aí o verão e esta barriga não está como supostamente devia estar (seja lá o que isso for). E esta é a maior mensagem que eu quero passar com toda a minha história, estar curada não significa que eu não tenha noias comigo às vezes, não significa que eu cheguei a um lugar onde tudo é lindo e onde eu me estou completamente a borrifar para a minha imagem porque isso seria uma total mentira.
Estar curada significa que apesar de ter estes momentos eu aprendi a não lhes dar a importância que tinham antigamente, aprendi que a minha vida sem dietas e sem viver em função de um corpo de verão é muito mais saborosa e aprendi que nos dias menos bons devo agarrar-me a toda esta sensação de controlo que eu agora tenho sem nunca desvalorizar onde já estive.
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Eu não sei como se cura um distúrbio alimentar
Não sei como se passa a olhar para a comida e para nós com estes olhos que eu hoje tenho, não sei qual é o segredo, mas sei que é possível cá chegar, com muito trabalho, com muita resiliência, com muitas quedas e com muita ajuda, e sei acima de tudo que é muito bom estar aqui, por isso, apesar de eu não ter uma resposta certa para a cura de uma compulsão ou de um distúrbio alimentar eu vou continuar a escrever para que tu que me lês, não desistas de investir no teu caminho. Porque nada disto é impossível.
Acima de tudo vou continuar a escrever porque desvalorizar é o primeiro passo para que se perca a fé na cura e se há coisa que mais quero trazer a quem me lê é exactamente isto: esperança.