Bullying e o verdadeiro impacto das palavras
Há uns tempos atrás, perguntaram-me se sofri Bullying na escola por ter tido excesso de peso. A pessoa que me enviou mensagem estava curiosa por saber como tinha eu lidado com essa situação. Porque também ela tinha sofrido e era uma coisa que a marcava muito até hoje. Depois de lhe ter respondido, decidi que queria fazer um post sobre isto. Sobre Bullying e as suas diferentes formas. E acima de tudo sobre o verdadeiro impacto das palavras. Portanto vamos ao que interessa.
Eu não sofri Bullying na escola por ter tido excesso de peso
E esta é também uma das razões que me levou a escrever este post. Porque eu sei que a maior parte das pessoas com excesso de peso – ou com falta dele – foi vitima de bullying e tinha muitas palavras carinhosas como apelido. Na realidade eu também tive várias. Mas nenhuma nunca me fez não querer ir à escola ou sentir que me odiava.
Quando eu era muito miúda – entre os 6 e os 10 anos – eu era muito, muito magra. Estava sempre doente. Comia muito mal e por isso tinha muita dificuldade em ganhar formas. Nessa altura chamavam-me Olívia Palito. Entretanto ao passar para o ensino básico, comecei a comer melhor – muito melhor na realidade – comecei a ganhar formas e aos poucos fui ganhando peso. Cheguei aos 14/15 anos a vestir umas calças 46. Mas a minha alcunha foi durante muito tempo a cratera, por causa da minha testa cheia de borbulhas. É óbvio que eu odiava aquela alcunha e talvez tenha havido uma época em que estava a roçar o bullying, mas acabou por passar.
A grande questão aqui, é que eu nunca me dei conta do meu peso.
Eu não era má a Educação física. Na realidade era uma excelente guarda-redes, e as equipas escolhiam-me logo à primeira por causa deste facto. Nos meus intervalos, por ser muito maria rapaz eu estava sempre a jogar basket, volei, futebol e a única coisa onde eu não era efectivamente boa era na ginástica. Aí sim, custava-me muito. Os pinos e os saltos, porque tinha peso a mais para os meus pulsos. E sim chorei algumas vezes por ver as minhas amigas a conseguirem fazer o pino e eu não.
E as minhas amigas nunca me viram como a gorda
E acho que este foi dos factos mais importantes. Nós éramos 5 e éramos muito unidas. Tínhamos o grupo das spice girls. Estávamos sempre na casa uma das outras. Fazíamos os trabalhos de grupo juntas e em momento algum, alguma delas me disse que eu estava acima do peso. Nunca nenhuma delas, fez qualquer tipo de comentário ou proporcionou alguma situação de bullying. E isto sempre foi uma coisa tão natural, que o ano passado quando falava com a minha melhor amiga de infância ela disse-me que ainda hoje lhe custa a acreditar que eu era assim. Porque ela nunca me viu daquela forma.
- Podes reler este post Gorda como assim
Portanto, se efectivamente eu fui feliz na escola, como é que desenvolvi uma Bulimia aos 16 anos? Será que sofri de Bullying no Liceu, quando me separei do meu grupo de amigas, por irmos para áreas diferentes? Bem a verdade é que a minha vida no Liceu era relativamente calma. Mas foi nesta época que eu comecei a ter mais atenção ao meu corpo. Comecei a olhar para mim e para as outras e a perceber que a minha barriga era maior, a minha cara era mais redonda e as minhas ancas muito maiores. E um dia quando cheguei à escola, duas raparigas muito bonitas da minha turma disseram: Já sabíamos que eras tu lá ao fundo, pelo tamanho das tuas ancas.
E foi efectivamente aqui que a minha relação com o corpo mudou
Não há uma grande razão para este ter sido o momento de viragem na minha vida, rumo ao descalabro de uma bulimia. Na verdade, foi um único comentário. E eu no passado tinha sido mil vezes mais gozada por causa das borbulhas na testa. O que acabou por me mostrar muitos anos mais tarde, que a questão do Bullying é muito mais complexa do que imaginamos. E que nenhum de nós tem noção do impacto que as nossas palavras podem causar na outra pessoa.
Sim eu não fui gozada muitas vezes por causa do meu peso. Mas bastou um dia, em que provavelmente eu não estava tão feliz, ou não me sentia tão bem comigo própria para tudo mudar. Aquelas palavras, ditas daquela forma mexeram comigo de uma maneira que nunca em momento algum outras palavras de gozo mexeram. O que é que eu tinha naquele dia em específico? Não sei e nunca saberei. E isto é efectivamente importante para esta história.
Porque hoje em dia as redes sociais potenciam muito o Bullying
Eu desenvolvi uma Bulimia grave por causa de um único comentário. Era muito provável, que naquele dia estivesse mais em baixo psicologicamente e que até já andasse com alguns macaquinhos na cabeça. Mas aquele comentário, naquele dia mudou tudo. E é aqui que está o grande problema. Nós não sabemos como é que as nossas palavras vão afectar os outros. Quando nos achamos no direito de criticar alguém, de a chamar de feia e gorda. Que tem um corpo feio, ou que devia operar o nariz, não sabemos como é que aquela pessoa naquele dia irá receber essas palavras. E pior não sabemos o que acontece a partir daí.
Essas duas colegas nunca souberam o impacto que tiveram na minha vida. Nunca souberam que por causa de um comentário maldoso sobre as minhas ancas deram início a 8 anos de vómitos e de muita luta com o meu corpo. Deram sobretudo início a uma fase muito negra da minha vida que não me afectou só a mim, mas também à minha família.
E este é o grande problema, do que se diz nas redes sociais
Porque por trás de um ecrã somos todos heróis. E eu vejo pessoas a dizerem coisas atrozes a outras. Dando-vos um exemplo muito prático, visitem o Instagram da Carolina Patrocínio. Eu não sou fã. Nem sequer a sigo. Mas como descobri há pouco tempo que estava novamente grávida fui ver. Afinal de contas a Carolina é conhecida por fazer barrigas pequenas. E lá estavam, comentários assustadores a uma mulher que está grávida. Que tem aquele tipo de corpo e que tem filhas saudáveis. Quem somos nós para dizer se gostamos ou não gostamos da barriga dela? Quem somos nós para a chamar de horrorosa ou de menina da Etiópia – sim isto estava escrito numa fotografia. Quem somos nós, para acharmos que estamos no direito de criticar o corpo de uma pessoa, sem saber que tipo de impacto estas palavras podem ter?
É óbvio que a Carolina é uma mulher muito bem resolvida. E está-se nas tintas para o que as pessoas dizem, mas entendem que isto que acontece com a Carolina é bullying certo? Uma cambada de bullies. Na maioria delas mulheres, dizem coisas horrorosas sobre o corpo que não é delas, somente por estarem atrás de um ecrã.
Eu própria já fui vítima de Bullying através das redes sociais.
E partilhei com vocês neste post sobre opiniões, que uma rapariga me tinha visto no ginásio e pelos vistos não gostou do meu corpo e decidiu enviar-me uma mensagem a dizer que para aquilo que eu treinava não era assim tão fit e que devia estar mais definida. Isto foi em 2016, quando eu estava a recuperar da dieta que me tinha levado ao hospital. E quando andava a lidar com compulsões alimentares.
- Podes saber mais neste Falhar é Humano
Aquilo que ela me disse felizmente não mexeu comigo. Porque eu estava a ter acompanhamento psicológico – a tal cura interior que falo aqui tantas vezes. Mas podia ter corrido muito mal. Somente porque alguém se achou no direito de dizer que o meu corpo não estava dentro dos parâmetros normais de um corpo fit.
Vocês podem dizer-me que se eu, a Carolina e tantas outras nos expomos, temos que arcar com as consequências. E eu digo-vos que se a consequência for sofrer de Bullying então todos vocês também terão de sofrer a consequência de serem considerados criminosos. Porque sim, Bullying é crime. É óbvio que todas as pessoas ao se exporem, podem receber comentários negativos. Mas uma coisa são comentários negativos construtivos. Outra completamente diferente é humilhação. Sim tu podes não gostar da barriga de grávida da Carolina. Mas não podes em momento nenhum compará-la a um menino da Etiópia. Porque é cruel. Porque ela está a gerar uma vida. E porque há efectivamente meninos a morrerem à fome no mundo, enquanto tu de barriga cheia criticas os outros.
Sim, tu podes achar que as minhas ancas são grandes.
Mas em momento algum me podes humilhar dizendo que eu treino pouco ou mal, porque o meu corpo não corresponde ao ideal de beleza das redes sociais. Sim tu podes, achar que aquela pessoa está com excesso de peso e até tentar ajudá-la a procurar ajuda se esse for o seu desejo. Mas nunca em momento algum a poderás chamar de Baleia, Barril ou Nojenta.
Porque sim, isto é Bullying. E o bullying destrói mais vidas do que tu podes imaginar.
Joana Sousa
Este texto precisa de ser lido por muita gente. Miúdos mas, principalmente, graúdos – porque esses normalmente são os piores e, se dessem boa educação aos miúdos, eles também não o fariam. Uma simples frase pode dar-nos a volta à vida, as palavras têm um poder inimaginável.
Maria Antunes
mais uma vez escreves e tocas na ferida. Durante anos tive muitos complexos com as minhas pernas, porque sempre foram mais gordinhas do que a cintura. Chamaram-me nomes muito feios e até hoje não sei como não caí num disturbio alimentar. ainda hoje não as adoro mas já as consigo aceitar um bocadinho mais. obrigada por mais um texto incrível.