Sobre a vergonha de comer em público
Há dois anos fui a Madrid passar um fim de semana para celebrar o aniversário dele. E foi também uma forma de eu fugir de toda a angústia e vergonha que andava a sentir nessa altura.
Estava numa fase muito má comigo própria. Estávamos no final de Março – vejam o texto que sobre os dramas que Abril sempre me trouxe? – e eu sentia-me uma baleia graças às compulsões com que andava na altura. Lembro-me de não conseguir olhar para mim ao espelho sem começar a chorar. Chamava-me interiormente todos os nomes possíveis. Agarrava a minha barriga e as minhas ancas com tanta força que chegava a marcar a pele numa espécie de tentativa falhada que a gordura saísse do meu corpo.
Estávamos no aeroporto e fomos jantar ao Macdonalds (eu ainda comia carne na altura) pedi um Big Mac Menu e devorei-o em 3 tempos. Entretanto o nosso voo atrasou-se imenso e eu decidi ir comprar gomas, comprei um saco gigante que mantinha escondido dentro da minha mala pessoal com vergonha que me vissem a enfardar açúcar daquela forma e comi tantas, que cheguei ao ponto de ficar tão mal disposta que pela primeira vez desde muitos anos pensei em vomitar para ajudar a que toda aquela porcaria saísse do meu corpo. Não o fiz mas pensei mesmo nisso porque no fundo sabia que vomitar era um caminho fácil para mim. Acabei por guardar o resto das gomas e uma culpa gigante apoderou-se de mim.
O fim-de-semana avançou e eu dei por mim a comer as gomas às escondidas. Sempre que ele ia tomar banho eu tirava-as da mochila e comia, depois olhava-me ao espelho e queria gritar para mandar cá para fora o ódio que sentia de mim por estar tão em baixo psicologicamente e por isso mesmo acabei por desabafar com ele e pedi-lhe que me ajudasse a tentar controlar as compulsões porque não aguentava mais viver assim com vergonha de comer.
Porque no fundo quando começo a pensar nisto a sério percebo que grande parte da minha vida foi assim.
Cheia de remorsos e acima de tudo de vergonha que os outros me vissem a comer de forma completamente descontrolada e por isso é que já escrevi também aqui, que viver uma doença de comportamento alimentar é algo muito solitário.
Há uns tempos atrás enquanto falava com a minha mãe, ela lembrou-se de uma vez em que fizemos mudanças em casa. Ela encontrou um saco cheio de papéis de chocolate e rebuçados escondidos atrás de um móvel completamente esquecidos. Quando me confrontou com aquilo eu chorei imenso com vergonha de ter sido apanhada. Óbvio que a minha mãe não fazia a mínima ideia da razão daquilo. E só achava estranho eu ter escondido os papeis em vez de os deitar no lixo. Mas na altura ser confrontada com algo que me lembrava das constantes compulsões que eu tinha quando estava em casa sozinha deixou-me com uma vergonha imensa de mim e do meu estado.
A verdade é que quando eu tinha excesso de peso. Comia muitas vezes às escondidas com vergonha que olhassem e vissem a gorda a comer porcaria. Sim eu ia ao Macdonalds com as minhas amigas e comia com elas. Foi por causa desta minha postura de não me afastar que consegui esconder a bulimia durante tanto tempo. Mas por trás disso havia todo um descontrolo alimentar que era feito entre 4 paredes.
Com vergonha de ser julgada e acima de tudo com vergonha que me dissessem que a culpa de ser gorda era somente minha.
Os anos passaram, eu perdi peso mas durante muito tempo as compulsões fizeram parte da minha vida e a vergonha delas também.
- Quantas vezes não comi às escondidas na minha própria casa enquanto ele via TV?
- Quantas vezes não estava a trabalhar e levanta-me para ir ao café comer chocolates sem que ninguém percebesse? Acreditam que isto aconteceu o ano passado?
- Quantas vezes não sai do trabalho e fui a correr ao supermercado comprar bolachas e doces e comia no carro enquanto chorava descontroladamente? Sim também aconteceu o ano passado.
E eu sei que este sentimento não é só meu. Sei que há muita gente que passa efectivamente por isto. Pela vergonha de ser julgado. Porque se és gordo olham para ti com aquela reprovação de quem tem toda a certeza do mundo que o segredo para emagrecer é “só fechar a boca”. Se és magro não queres que percebam que aquele teu ar “cool de está tudo bem eu treino eu posso” , é na realidade uma fachada para algo muito maior e preocupante que vive em ti.
E tudo isto é uma bola de neve. Que te corrói. Que te envolve de tal forma que se torna muito complicado de colocares um ponto final sozinha.
A dor que este tipo de compulsões acarretam é tão difícil de explicar. Tal como a vergonha que se sente a seguir a tê-las. E é por isso que ninguém em momento nenhum da vida deveria sentir vergonha de comer em público. Ou de assumir que precisa de ajuda. Porque sim a vergonha de uma compulsão alimentar mata-te por dentro.
Por isso pede ajuda sim?
Dianinha Gomes
li este texto e revi-me muito, até me vieram as lágrimas aos olhos. Mais uma vez escreves e sinto que fui eu que o fiz. obrigada.
lollytasteblogvania
Dianinha Gomesmuito obrigada pelo carinho 🙂
Ana Eira
Sem dúvida que este texto é eu! A última frase é essencial e foi-o para mim. Todos os dias é uma luta constante contra a bulimia que apesar de já estar "controlada" volta meia volta vêm as compulsões e a culpa e é muito complicado lidar com tudo isto, mas felizmente consegui pedir ajuda, o que foi fundamental!
Obrigada por mais um texto excelente ❤
Beijinho,
Ana ❤
http://anamakeawish.blogspot.pt
lollytasteblogvania
Ana EiraO que interessa é que assumiste que precisavas de ajuda e foste em busca da mudança, o resto vem com o tempo 🙂
um grande beijinho 🙂