A Maternidade acorda-te para o teu corpo
Aos 6 meses de gravidez foi-me encontrado um Mioma. Lembro-me de estar sentada nas urgências do hospital de pernas abertas, a tremer e à minha frente, 3 médicos a analisar-me. Disseram-me ” tem um Mioma demasiado grande vamos ter que o retirar imediatamente”. Até então tinha sido tido uma saúde ginecológica irrepreensível e não conseguia perceber o porquê de tudo aquilo. Chorei, com muito medo. 4 meses depois fui mãe, estive em coma 5 dias, fruto de Eclâmpsia, a principal causa de morte na gravidez e no parto. Sobrevivi.
Passamos o tempo a tentar apagar do nosso corpo a memória da maternidade. Os kilos a mais, as peles, as estrias. O corpo suporta o peso e as emoções de ser Mãe e ser Mulher. Toda a biologia da gravidez e de um Pós-Parto que resultam do maior milagre e criatividade humana: gerar vida.
Observo com atenção, nestes primeiros 3 anos de maternidade, a relação da sociedade com o corpo da mulher e, acima de tudo, da relação da Mulher com o seu próprio corpo. Como todos esses meandros sociais nos tornam obstinadamente infelizes, num diálogo negativo diário com o nosso corpo. Como as redes sociais nos falam de barrigas perfeitas, recuperações de forma espontâneas, vidas sexualmente irrepreensíveis e idas compulsivas ao ginásio “acerejadas” por aquela selfie de final de treino.
Lembro-me de 6 meses depois de ser mãe estar parada a olhar-me ao espelho.
Tinha praticamente recuperado o peso anterior à gravidez e os maravilhosos 22 kilos de puro amor tinham-se feito à estrada. Mas o corpo, o meu corpo estava diferente. Eu sabia que a relação com o meu corpo nunca mais seria a mesma. E sabia que o peso era só um pormenor.
Ao longo da gravidez disseram-me muita coisa. Que deveria ter cuidado para não engordar mais do que 11 kilos. Para parar de comer chocolate ou até para fazer mais sexo. Aconselharam-me a comer saudável, a deixar o picante e para esquecer o sushi. Ah e adeus àquele copo de vinho. Que gosto de tomar sozinha sentada na cozinha, ao final do dia. Disseram-me muita coisa mas não me avisaram de uma: a Maternidade acorda-te para o teu corpo.
E é isto que gostava de partilhar contigo: a maternidade deu-me espaço e tempo para conversar com o meu corpo. Para finalmente olhar para o meu corpo para além da aparência. E, o meu corpo, trouxe-me novidades de mim, sobre o meu estado emocional, sobre a minha história pessoal e permitiu-me fechar e iniciar ciclos de vida.
Acordou-me para o meu poder, para a forma como as minhas emoções, os medos, a zanga ou a tristeza nele se manifestam. Acordou-me para um diálogo honesto e com compaixão. Falou-me da sua imensa capacidade de regeneração. E permitiu-me recomeçar uma nova forma de conversar comigo mesma.
Partilho contigo 7 coisas que aprendi ( e às vezes continuo a ter que aprender estas lições over and over again)
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Ensinou-me Paciência
O Corpo de mãe exige muito. Privação de sono (bom essa não me posso queixar). Carregar coisas (sim, passei por uma mudança de casa aos 8 meses de gravidez). Cozinhar, bebé ao colo, refeições que nem sempre são feitas à hora certa, amamentação. Há que ter paciência, aguardar-lhe o ritmo. Precisas de dormir? De descansar? Aprendi a gostar de fazer uma sesta e a sentir-me, ainda hoje, menos culpada por isso. Ganhar consciência sobre os limites de vitalidade do nosso corpo é ganhar consciência e respeito pelos nossos próprios limites.
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Ensinou-me a importância do Auto-cuidado Físico e emocional
Durante a maternidade porque o teu corpo está num estado fisiológico acelerado torna-se prioridade escutá-lo ainda com mais atenção. Responder às tuas necessidades físicas torna-se parte da tua rotina diária. Aquela massagem para relaxar a tensão nas costas. Um banho mais prolongado com aquele óleo essencial e uma bomba de banho com perfume flora… ahhh faz milagres em dias de flutuações de humor.
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Ensinou-me Compaixão
Não me perder na ideia de corpo óptimo e perfeito e respeitar e estar disponível à jornada da vida e à forma como ela se manifesta no meu corpo físico. A conversar comigo mesma com mais amor e menos culpa. A ser mais amiga de mim mesma e menos exigente e crítica.
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Ensinou-me Criatividade
A maternidade deu-me tempo para dançar. Sempre que estava stressada, preocupada ou aborrecida eu dançava. Com a Maya na barriga e com a Maya fora da barriga. Nunca me senti tão criativa na vida. As minhas mãos pintaram e escreveram poesia, os meus pés caminharam pela horta descalços onde plantei flores e ervas aromáticas, os meus olhos permitiram-me abraçar o mundo através da fotografia.
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Ensinou-me sobre Sensualidade
Há aquele momento em que percebes. O teu corpo mudou. Eu costumava dizer que a barriga era a minha parte favorita. Mas desde os primeiros dias em que depois de uma barriga gigante que transportou em modo kangoroo a minha bebé, dou por mim a tentar perceber o que é aquilo que parece que tem vida própria de cada vez que mudo de lado na cama. E aqueles riscos todos que parecem fazer desenhos pouco geométricos, a que chamam de estrias. Eu sabia que tinha que deixar ir a minha ideia de barriga perfeita.
Então comecei a dançar nua ao espelho. Percebi que embora eu tivesse um corpo sexual , estava finalmente na altura de o tornar sensual. E posso dizer-te que, ainda no inicio deste caminho, mas mesmo estando acima do meu peso e ainda ter um longo caminho para atingir o meu estado de saúde e equilíbrio, nunca me senti tão sensual aos 20 como me sinto hoje aos 30. Percebi e estou hoje focada nesta intenção: quero que o meu corpo viva em Desejo e Prazer.
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Ensinou-me sobre responsabilidade
Sou Mãe de uma menina. Ela observa no seu silêncio todos os dias a forma como me visto e dispo, como danço, como me vejo ao espelho, como falo em voz alta sobre o meu corpo e sobre o seu corpo. A Maya é o meu espelho e eu sou espelho dela. Não tenho dúvidas que a forma como nós mulheres nos relacionamos com o nosso corpo influencia positiva ou negativamente a forma como as nossas filhas crescem e vivem o seu corpo. Então no parque, eu nunca lhe digo que não consegue subir ou saltar um obstáculo, sempre que é necessário tocá-la peço-lhe permissão e tento dizer-lhe menos de como está bonita e mais sobre como ela conseguiu ultrapassar este ou aquele desafio ou como aprendeu sobre isto ou aquilo.
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Ensinou-me sobre Perfeição
Confesso ainda caio nesta ratoeira vezes de mais. Mas estou mais consciente da sua presença na minha vida e tento prestar mais atenção a como o síndrome de perfeição cresce como erva daninha, intrometendo-se na forma como respeito os limites do meu corpo, as minhas emoções, as minhas necessidades e o meu desejo. Também me diz que tudo isto é feito com muitos avanços e recuos e que, afinal, está tudo bem:)
Quando nos entregamos à experiência do corpo novos mundos se abrem dentro de nós. Naquele dia, a olhar-me ao espelho, percebi que nunca tinha sido uma questão de peso. O meu corpo expressara ao longo de toda a minha vida tudo o que vivia e persistia dentro de mim. Eu descobri que, o meu corpo, era uma organismo 100% inteligente. Esta é uma dádiva que já nao estou disposta a abdicar.
Por isso, estejas em que fase de vida for, se puder de alguma forma, com estas palavras, deixar-te algo pergunto-te o que perguntei a mim mesma, naquele dia, ao espelho:
Sabes, o corpo fala. Estás pronta para o escutar?
Este post foi escrito pela maravilhosa Susana Rodrigues da Bless Woman Agency
Todas as fotografias foram cedidas pela Susana
Evódia Graça
Que conselhos deliciosos de se ler nesta minha fase da gravidez! Confesso que veio mesmo em boa hora Vânia! Susana, meu bem! Parabéns por tamanha partilha! Um beijinho enorme no coração às duas ❤️
vânia duarte
Evódia GraçaA Susana tem mesmo o dom das palavras. Obrigada minha querida pela força <3
Joana Sousa
Que texto maravilhoso. E que retrato tão belo do que a maternidade pode fazer – espero um dia poder ter a sorte de ter este descernimento 🙂
Jiji
vânia duarte
Joana Sousafico muito feliz que tenhas gostado querida Joana <3
Miguel Oliveira
Parabéns Vânia e Susana!
Texto fascinante e educativo! Mais uma vez os meus sinceros parabéns às duas!