Uma fome para preencher vazios
É engraçado pensar na minha relação com a comida hoje em dia versus o meu passado não tão longe assim em que eu me punia muitas vezes por comer demasiado e sem qualquer controlo. Comer única e exclusivamente para preencher um qualquer vazio que existia dentro de mim.
A minha relação com a comida sempre foi muito disfuncional porque eu sempre a vi como a minha maior inimiga, ora porque comer significava estar em dieta a comer pouco e coisas que eu não gostava ora porque significava comer demasiado e descontroladamente e quando isto acontecia eu punia-me muito com palavras e pensamentos sobre mim própria. “És nojenta” e “Portaste-te mal mais uma vez”, eram provavelmente as coisas que eu mais dizia a mim própria quando acabava a agarrar-me a uma compulsão.
E vivia assim, com condenação constante
Com a sensação que estava constantemente a falhar para comigo própria, que era fraca e que a culpa de não chegar onde queria era única e exclusivamente minha e a verdade é que em parte era, mas não porque eu comia demasiado e sim porque eu comia para preencher um vazio muito grande que existia dentro de mim e que era constante ideia de que eu não era suficiente nem tão capaz quanto as outras pessoas.
E comer daquela forma descontrolada acabava por funcionar como uma breve anestesia que eu tinha, como uma felicidade momentânea e com uma falsa sensação de controlo, onde supostamente ali naquele momento eu podia comer o que quisesse sem querer saber das consequências. Mas infelizmente (ou não) as consequências eram sempre muito maiores do que a falsa felicidade que eu sentia ao comer daquela forma. Porque o fazia escondida com vergonha que alguém me visse naquele descontrolo e isso provocava-me muita solidão e porque a seguir, tudo o que eu conseguia dizer a mim mesma é que tinha falhado mais uma vez. E aí vinham as promessas mentais que era a última vez, a preparação da próxima dieta, o inicio do próximo desafio verão x. Mas nada resultava.
E isto acontecia, porque o meu problema mais do que físico estava cá dentro
Nesta insatisfação constante que eu tinha comigo própria fruto de me comparar demasiado aos outros. Nesta vontade de querer ter aquele corpo, aquela forma e acima de tudo de querer ser alguém que não eu e por isso eu passava o tempo a castigar-me, nesta constante ideia que eu tinha falhado. E sim eu falhei, mas foi porque demorei demasiado tempo a tomar a decisão de tratar de mim de dentro para fora. Falhei porque não entendi mais cedo que o meu problema não era o meu físico mas sim esta necessidade de me tornar algo para que os outros aplaudissem. O peso e o corpo acabaram por ser a desculpa perfeita para mascarar aquilo que realmente estava por trás e que era uma profunda necessidade de ser aceite nos moldes do que é “normal” e “belo” pela nossa sociedade. Porque para mim a felicidade durante anos sempre esteve ali naquela utopia do corpo perfeito.
E o engraçado é que hoje em dia eu sou capaz de dizer que tenho o corpo perfeito, independentemente de não ser aquilo que eu idealizei durante mais de metade da minha vida, hoje em dia eu olho para mim e gosto de cada parte deste corpo e percebo que toda esta guerra interna que eu travei durante anos tenha sido para efectivamente chegar aqui, não a um corpo de revista mas a um corpo pelo qual estou grata diariamente e que me permite viver uma boa vida. Porque a verdade é que sim eu mudei fisicamente ao longo dos anos, mas mais do que isso eu tornei-me melhor para comigo mesma, mais bondosa, mais suave nas palavras e mais agradecida e isto mostrou-me que nunca teve a ver com ter a melhor transformação ou ter o corpo mais incrível mas perceber que o meu dever é ser a melhor para mim própria todos os dias da minha vida.
Sónia
Poderia ter sido eu a escrever este texto pois revejo-me nele, apenas nlk facto de continuar presa ao conforto que a comida traz, ao não me sentir digna de nada, ao odiar a pessoa que me transformei. Cai num buraco fundo onde não vejo nenhuma luz…
vânia duarte
SóniaSónia eu sei a dor que sentes acredita em mim, mas tambem sei que é possível vencer a compulsão, se não o consegues encontrar um equilíbrio pede ajuda, não há qualquer vergonha nisso, eu também o fiz 🙂 muita força.
Catarina Rodrigues
Olá Vânia,
Cheguei aqui através de uma colega de trabalho, que agora é uma amiga. Em comum temos anos de compulsão alimentar e uma luta constante com oscilações de peso.
Estava a ler este texto e a pensar que parecia que tinha entrado na minha cabeça… Percebi até que verbalizou o que sinto e não sabia que sentia… Não sei se faz sentido. Hoje, por exemplo, posso dizer-lhe que estou de rastos porque comi que nem uma desalmada. E porquê? Porque estava frustrada (não consegui ir treinar), mas hoje o nível de frustração é incrivelmente pesado porque falhei, mais uma vez. Já lá vão 30 anos disto e é difícil…
Obrigada por verbalizar o que nos vai na alma. É bom saber que afinal isto poderá ser mais do que falta de força de vontade!