Manda-te à merda mais vezes
Talvez o que vá escrever hoje não seja muito consensual, especialmente numa altura em que se grita por todo o lado que temos de gostar de nós e sermos as nossas melhores amigas. E eu entendo isto a sério e concordo, acho mesmo que temos de cultivar mais a gentileza connosco próprias, aprender a celebrar as nossas conquistas e não ter vergonha de assumir que somos boas a fazer algo. Tudo isto para mim é amor próprio e eu acho mesmo que deve ser trabalhado diariamente, a grande questão é que tal como eu não acredito que as pessoas estejam felizes todos os dias, também não acho que falinhas mansas sejam sempre a solução e às vezes tudo o que precisamos é de ter coragem para nos mandarmos à merda, de bater com a mão na mesa, de perguntar se estamos a dormir e de questionarmos porque é que estamos a ser idiotas.
Eu não encaro o amor próprio como uma coisa bonita e cor de rosa
Pelo menos o caminho que eu tenho traçado de aceitação pessoal, tem fases muito boas mas também teve e ainda tem alguns momentos muito sombra em que eu luto contra mim própria, e para mim está tudo ok, faz parte deste processo de aprendizagem. Ora quando eu penso nas minhas amizades (as verdadeiras atenção) também sei que apesar de serem incríveis não são sempre belas nem felizes. Há alturas em que nos chateamos, há alturas em que digo às minhas amigas do coração “então cara*** queres levar um chapadão nessa cara para veres se acordas?” – sim, às vezes eu digo asneiras e não, eu não bato nas minhas amigas é sentido figurativo 🙂
Mas entendem o que vos quero dizer? Eu não acredito em relações 100% incríveis, sem nenhuma chatice, sem nenhum desacordo, e se não acredito nisto também não consigo acreditar que devemos falar connosco sempre com uma voz doce e carinhosa, porque há alturas em que tudo o que precisamos é efectivamente de coragem para nos mandar à merda com todas as letras. Mandar à merda os nossos medos, o nosso ego, as nossas dúvidas. Mandar à merda as nossas indecisões e sobretudo mandar à merda o medo de falhar e tentar mais uma vez. E nada, absolutamente nada disto é bonito.
Quando olho para as minhas amizades eu sei que há alturas em que é preciso abanar
É preciso gritar, é preciso dizer palavrões e perguntar se a pessoa está a dormir, para logo a seguir poder abrir os braços e tornar o meu abraço-casa um porto de abrigo e da mesma forma, eu sei que só consegui libertar-me da minha doença, porque eu própria abanei-me e mandei-me à merda com todas as letras. E isto não tem nada a ver com usarmos palavras tóxicas para nos culparmos de termos “falhado” na dieta ou termos sucumbido a alguma compulsão, tem haver com acção e reação, tem a ver com levantar a cabeça e enfrentar demónios. Ora se devemos falar connosco como se fôssemos a nossa melhor amiga, às vezes é preciso mesmo “rodar a baiana” e levantar a voz.
Aquilo que mais me assusta nos discursos de amor próprio que vejo por aí é que tudo parece muito bonito e simples sabem? Parece que basta mudar o discurso, basta começar a ser mais zen, mais bondosa e automaticamente mais feliz que tudo passa. Como se fosse uma coisa de carregar num botão. Aquilo que mais me assusta nos discursos de amor próprio é que parece que se está a ensinar as pessoas a colocar a poeira debaixo do tapete, onde nos sentamos para meditar, para fazer yoga ou para ouvir os passarinhos na natureza e o problema disto é que os demónios continuam lá, acompanhados por uma música com cascatas é verdade mas continuam lá, e mais cedo ou mais tarde eles acabam por aparecer.
É preciso mais respeito e cuidado próprio é verdade, mas também é preciso ouvir a nossa essência única e perceber que na maior parte das vezes tudo o que precisamos é de coragem para perder a compustura, bater com a mão na mesa e dizer: chega de merdas eu também tenho direito a ser feliz.
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