Páginas Salteadas: Pizza de Crepioca e um livro sobre o Apartheid
Começo já por dizer que a receita de hoje não é das mais bonitas esteticamente, mas o Apartheid também não teve nada de belo e é exactamente por isso que mais do que fotografias bonitas eu quis trazer-vos a crueza deste livro representada na minha receita.
O Páginas Salteadas está oficialmente de volta ao blogue depois de uns meses de pausa, e neste primeiro mês de 2018 nós decidimos que em vez de um livro igual para as 4, iríamos partilhar 1 livro à escolha e eu sabia que tinha de aproveitar para partilhar o livro “Sou um Crime” do Trevor Noah.
Para quem não conhece, Trevor Noah é um dos maiores génios de Stand Up Comedy da última década
E é também o apresentador oficial do The Daily Night Show. Trevor tem um humor fora de série, mas aquilo que ainda me faz gostar mais dele é que Trevor veio literalmente do nada. Nascido no Apartheid, Trevor Noah é verdadeiramente um crime porque é filho de um pai branco suíço e de uma mãe negra sul africana e isto em pleno Apartheid era oficialmente crime. Nenhum homem ou mulher brancos se podiam envolver com pessoas de outras raças porque seriam punidos. Ou como Trevor conta no livro “Caso fossem apanhados juntos, os negros/as eram espancados e os brancos/as tinham uma pequena advertência”.
Ao longo de 272 páginas, Trevor Noah conta como foi crescer num regime assim, onde o racismo imperava, e onde a pobreza e a escravidão eram o futuro. Por ter pais de cores diferentes, Trevor nasceu mulato e isto naquela altura era simplesmente algo com que ninguém queria lidar, por isso pessoas assim eram chamadas de cor – porque não eram nem brancas nem negras e acabavam por ter de viver escondidas para que o regime não percebesse que ali tinha havido um crime. Patricia a super mãe de Trevor que sempre lutou conta o sistema, não podia andar com Trevor na rua e dizer que era mãe dele, porque seria automaticamente presa, por isso, grande parte das fotos que Trevor tem são com outra senhora mulata que andava ao lado dele, e a mãe seguia atrás como se fosse empregada.
Este livro é cru.
Entre algumas piadas e uma forma engraçada de escrever Trevor Noah toca em pontos muito duros e vergonhosos que se passaram nos tempos do Apartheid e é muito da sua história de vida que vivem os espectáculos de Trevor que esgotam a cada momento. Trevor procura acima de tudo que nunca nos esqueçamos que o racismo é das coisas mais vergonhosas da nossa humanidade, porque o racismo exclui e empobrece.
E numa das partes do livro Trevor Noah explica que uma das formas de se perceber se alguém tinha dinheiro era se conseguiam comprar queijo. Quem comprava queijo ou quem pedia um hambúrguer com queijo tinha dinheiro e isto deixou-me em choque. Porque queijo para nós é uma coisa muito banal, aliás queijo para nós nos dias de hoje é uma coisa pecaminosa porque tem lactose e como a moda agora é ser-se intolerante à lactose ninguém come porque faz mal… mas naquela época comer queijo significava riqueza. E isto chocou-me, porque eu nunca em momento algum olhei para o queijo como um sinal de dinheiro ou poder, mas a minha realidade nunca foi a de Trevor Noah e ler estes relatos acaba por nos mostrar o quanto somos privilegiados nas nossas vidas de primeiro mundo e mesmo assim continuamos diariamente a queixar-nos que não somos felizes…
E foi exactamente quando cheguei a esta parte do livro de Trevor
Que eu soube que a minha receita tinha de ter queijo, por isso decidi criar esta Pizza de Crepioca com atum e feijão vermelho. Eu sabia que não queria nada muito elaborado, porque a vida de Trevor foi tudo menos elaborada, sabia que queria trazer simplicidade e produtos de fácil acesso. Sabia que não queria ter uma receita sem lactose, sem gluten, e sem mil modas, porque para Trevor e tantos outros a fome foi algo real e quando se tem fome não se pensa se o pão tem glúten. E escolhi a tapioca como base, porque esta provém da Mandioca que não sendo originária de Africa foi levada pelos portugueses e espanhóis para este continente e hoje em dia é dos produtos com maior peso nesta zona do globo.
No fundo esta receita simples, despretenciosa e até algo feia à vista quer apenas mostrar-vos que em algum lugar do globo pode ser considerada sinónimo de riqueza e por isso quando começarem com discursos de comida boa ou má, ou comida lixo, lembrem-se que a fome e a pobreza são reais e agradeçam por não saberem o que isso é.
O livro de Trevor Noah, foi o meu primeiro livro de 2018 e já entrou directamente para o top de livros favoritos e por isso recomendo aos fãs de Trevor e aos não fãs que o leiam, porque é um daqueles livros de nos agarrar desde a primeira página até ao fim. E se gostarem muito, vejam os espectáculos dele na netflix, valem mesmo a pena. Vamos à receita?
Ingredientes Pizza de Crepioca com atum e feijão vermelho
6 colheres de tapioca
2 ovos
1 lata de atum
cebola picada a gosto
3 fatias de queijo
feijão vermelho a gosto
polpa de tomate
sal
Como fazer a Pizza de Crepioca com atum e feijão vermelho
1: Misturar muito bem a Tapioca com os ovos e o sal e depois levar a uma frigideira. Deixa cozinhar de um lado e depois virar como se fosse uma omelete. Quando estiver cozinhada desligar a frigideira.
2: Numa panela colocar cebola picada, atum, o feijão vermelho já cozido e um pouco de polpa de tomate e misturar tudo até ficar quente, desligar de seguida.
3: Colocar duas colheres de sopa de polpa de tomate numa tigela com um pouco de água, misturar tudo e depois pincelar esta mistura por cima da crepioca.
4: Logo de seguida colocar as fatias de queijo e por cima, o preparado de atum e feijão que está na panela.
5: Acender o lume baixinho, tapar a frigideira com uma tampa e deixar cozinhar até o queijo estar derretido. Depois é só tirar para um prato e saborear com muita gratidão o termos comida na mesa todos os dias da nossa vida.
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Aproveita para veres as receitas das minhas parceiras neste projecto
Catarina Coelho
Também li esse livro em 2018 e gostei muito! O tema é muito sério, mas o \”Terror\” Noah (como a mãe ou a avó, já não me recordo, um dia lhe chamaram pelas traquinices que fazia recorrentemente), com o seu sentido de humor tão especial, consegue passar uma mensagem que em nada soa a depressiva apesar de tudo o que viveu. Podia ser um livro com uma energia negativa, mas ao contrário disso é na sua maioria um livro com piada sem nunca desvalorizar a época e a história que narra. Pode ser 1 em 1000, mas é tão bom quando alguém consegue SER aquilo para o que nasceu! Ele ensina-nos a tirar partido do pior que nos acontece, e, tal como dizes, a valorizar até o queijo da mesa.
Quanto aos espectáculos no netflix, o Son of Patricia é qualquer coisa de chorar a rir. Desse espetáculo acho que, sem grande consciência, me surgiu a inspiração para o nome da primeira coleção de guardanapos de pano que lancei. É uma coisa recente, mas é o meu primeiro contributo para um mundo melhor! Se quiseres espreitar, aqui fica: https://www.instagram.com/saidodatoca/
A receitinha… é verdade que os olhos não comem esta, mas para o corpinho parece-me muito bem!
vânia duarte
Catarina CoelhoOhhh sim o Terror Noah ahahhaha, mas ele era mesmo terrorista 🙂 E concordo mesmo contigo podia ser um livro negro, mas o Trevor soube falar das coisas sérias de uma forma descontraída e é muito por causa disso que sou fã dos espectaculos e do humor dele. O Son of Patricia é incrível gosto muito 🙂 E já estou a seguir a tua conta, adoro os teus guardanapos, são lindos e é uma excelente forma de evitar o desperdício de papel. obrigada pela partilha. beijinho grande
Catarina Coelho
🙂 Obrigada Vânia!