A Bulimia
Este é talvez dos posts mais difíceis que já escrevi e provavelmente aquele que mais mexeu comigo interiormente, por ter de me recordar de uma fase da minha vida onde fui verdadeiramente infeliz, onde me senti perdida e acima de tudo muito doente.
Mas resolvi fazê-lo, impulsionada por um email que recebi a semana passada que me deixou lavada em lágrimas, de uma leitora que me escreveu para me contar que estava a sofrer deste distúrbio alimentar há 3 meses e sentia que o facto de ninguém parecer reparar nisso, lhe dava ainda mais força para continuar com este comportamento, e que ler os meus testemunhos, aquilo que eu já tinha superado acabou por lhe dar coragem para falar com a família e pedir ajuda.
Ler este email deixou-me sem chão, exactamente porque quando eu sofri com bulimia senti exactamente o mesmo, e acima de tudo porque estando nós a viver uma época de verdadeiras aparências onde todos partilham a sua vida saudável e ninguém fala das suas falhas, é importante mostrar que estes problemas são reais e continuam a existir.
O começo
Querem saber uma coisa estranha? Aos 31 anos eu consigo lembrar-me exactamente da primeira coisa que vomitei, estava em casa à tarde depois das aulas, sentada no sofá a ver televisão e a comer um iogurte. Tinham passado uns dias desde que aquelas duas miúdas gozaram com o tamanho das minhas ancas e sem saber muito bem porquê, olhei para o iogurte que ainda ia a meio e pensei para mim que talvez se vomitasse aquilo conseguisse uma forma de controlar o que eu comia, por isso fui para a casa de banho e experimentei.
Não foi fácil, nem esta vez nem as primeiras que se seguiram, não é fácil forçar o vómito quando não tens vontade de o fazer, faz doer o estômago, faz doer a garganta mas depois de muito tentar consegui e senti-me vitoriosa. Voltei para o meu sofá, comi o resto do iogurte, vomitei novamente e encontrei aqui a chave para me “ajudar” a emagrecer sem ter de passar fome.
Ao início eu não vomitava sempre
Era capaz de ser numa base de 2 a 3 vezes por semana, mas com o passar do tempo comecei mesmo a querer emagrecer rápido e como isso não acontecia descarregava a minha frustração na comida e comia muito, comia mais do que o meu corpo podia aguentar e vomitava logo de seguida, para evitar que essa comida se depositasse na minha barriga e nas minhas ancas e para me sentir melhor comigo mesma.
Vomitar passou a fazer parte da minha vida num ritmo diário, eu comia para me sentir bem, eu vomitava para me sentir melhor (o que não acontecia) e se ao início vomitar era difícil e penoso, com o passar do tempo o meu estômago começou a ficar tão frágil que bastava encostar-me com mais força ao lavatório que conseguia vomitar.
Depois vomitar passou a não chegar, eu senti que precisava de uma ajuda maior, passei a encharcar-me em comprimidos e laxantes tão facilmente acessíveis num supermercado e tomei tanta coisa que vos consigo dizer o nome de quase todos os medicamentos que existem. Sabem o grave desta situação? É perceber que qualquer pessoa pode comprar este tipo de produtos porque são supostamente “naturais”.
Acham que alguém me perguntou se tinha idade para tomar aquelas porcarias?
Acham que alguém se importou se aquilo me iria fazer bem ou mal? Não, ninguém, eu entrava, escolhia drenantes, escolhia comprimidos e laxantes e encharcava-me em porcarias que ainda me faziam pior com a promessa de serem coisas naturais. Sabem o que é que o excesso destas coisas “naturais” me fizeram em conjunto com o vómito? Uma grande úlcera no estômago.
Manter a bulimia durante algum tempo foi fácil para mim.
A minha mãe trabalhava por turnos, portanto grande parte das refeições eu fazia sozinha e depois porque o emagrecimento de um bulímico é muito mais lento, acaba por não dar tanto nas vistas como alguém que sofre de anorexia. A minha mãe começou a desconfiar não tanto pela minha perda de peso, mas pelas constantes dores de estômago que eu tinha, pelos dentes muito amarelos, por demorar muito tempo a comer enquanto estava com ela e de me ausentar logo a terminar uma refeição, e foi exactamente numa dessas vezes que ela me apanhou a vomitar escondida na varanda para um saco de plástico. Foi nesse exacto momento que ela descobriu o que se passava comigo.
Sabem, lembro-me dos momentos a seguir, lembro-me tão bem de olhar para mim, para o meu corpo depois de comer ou depois de vomitar e conseguir chamar-me as coisas mais horrendas da vida – porca nojenta ou baleia eram só algumas das coisas que eu dizia a mim própria enquanto chorava. Chorei muito sabem? Chorei pelo corpo de sonho que não conseguia alcançar, chorei pelo peso a mais que tinha que fazia com que os rapazes não gostassem de mim, chorei pelas dores que tinha no estômago que se foram tornando cada vez mais insuportáveis, chorei porque numa certa altura da minha vida eu quis morrer.
Conseguem imaginar o desespero de alguém para aos 16 anos querer morrer?
Não deveriam ser os anos dourados, os anos em que dás com a cabeça na parede mas também vives como se não houvesse amanhã? Como é que se deseja aos 16 anos terminar uma vida que mal se viveu?
Sofrer de um distúrbio alimentar é duro e magoa muito, faz-te sofrer durante muito tempo mas também faz sofrer os que estão à tua volta, os que te vêem ser engolida por uma doença que não conseguem controlar, porque o problema está na tua cabeça e tem de ser controlado por ti e a primeira parte, aquela que é provavelmente a mais penosa é admitir que se está doente, é admitir que se perdeu o controlo de tudo, que já não consegues fazer um simples lanche sem pensar que tens de vomitar a seguir e que por mais que emagreças te vês sempre como aquela miúda que foi gozada naquela tarde na escola.
Não é fácil sair de um distúrbio alimentar
Há muitos altos e baixos, há recaídas e numas alturas vais sentir que estás a fazer o certo, mas noutras vais sentir que as pessoas que estão à tua volta só te querem engordar, mas acredita em mim e sobretudo acredita em ti, é possível vencer esta doença, é duro mas é possível e se eu consegui tu também vais conseguir.
Tenho muito mais para vos falar sobre este período da minha vida mas decidi dividir em vários posts, para não os tornar muito grandes. Se passaram por algo semelhante não deixem de partilhar a vossa história comigo.
Fotografias com Histórias Dentro
🙁 Oh. Os anos da adolescencia só devem ser dourados para uma percentagem muito pequena das pessoas. Quando tinha idade (talvez) mais nova também tinha imensos complexos. Não são só as gordinhas que querem ser magrinhas, fala-se muito pouco no complexo oposto…e também magoa ouvir as pessoas dizerem sempre "Estás tão magrinha, precisas de comer mais"..no meu caso era irritante..felizmente e idade também nos traz mais segurança 🙂 Orgulhosa por teres vencido essa luta e por estares cá para contares a história.
lollytasteblogvania
Fotografias com Histórias DentroSim as pessoas acham que têm o direito de opinar sobre o corpo dos outros como bem lhes apetece. Obrigada pelo carinho 🙂
Chocodependente
eu melhor do que a maioria das pessoas compreende tudo o que disseste. Compreendo tudo o que sentiste e sei bem a luta diária que é o controlo de um distúrbio alimentar. Sei o que é desiludir aqueles que lutam connosco mas acima de tudo desiludir nós próprios. Fico à espera dos posts seguintes porque é importante desmistificar os distúrbios alimentares para as pessoas perceberem que não é uma escolha das pessoas e que há muitos fatores que influenciam esses comportamentos.
lollytasteblogvania
Chocodependentesim acho que cada dia é mais importante falar sobre estes assuntos, porque por mais que se fale a verdade é que estas doenças crescem cada vez mais. Obrigada pela força 🙂
Anónimo
comovente.. como compreendo
lollytasteblogvania
Anónimoobrigada 🙂
Flicker
Mais uma vez um post que vem de dentro e fala abertamente (tanto quanto possível) sobre um problema duro de se falar e que como bem sabes muitas pessoas desvalorizam.
Bem, o que tenho para te dizer? Que tenho muito orgulho em ti, que nunca mais terás que passar nada sozinha e que quando se ama, ama-se tudo, as virtudes mas também os defeitos! E quem nao tem defeitos que atire a primeira pedra!
Assim sendo, os meus parabéns por este post tão pessoal mas tão útil para ajudar aqueles e aquelas que passam ou passaram pelo mesmo.
lollytasteblogvania
Flickerobrigada por estares sempre cá 🙂